As diferentes fases da doença de Alzheimer

Aproximadamente 24 milhões de pessoas em todo o mundo apresentam o diagnóstico de algum tipo de demência. A prevalência da doença de Alzheimer (DA) varia devido aos diferentes métodos utilizados para identificação dos pacientes. Porém, admite-se ser a DA a causa mais comum de demência entre idosos com 65 anos ou mais de idade. Com relação à incidência, segundo o principal estudo realizado em nosso país, a sua taxa foi de 7,7 casos para cada 1.000 habitantes por ano1. Segundo esse mesmo estudo, a prevalência de demência foi de 7,1%, sendo 55,1% com diagnóstico de DA. Nos Estado Unidos, espera-se que a incidência anual de casos de DA quase triplique no ano de 2050. Admite-se haver dois fatores principais responsáveis por esse crescimento: o risco de DA aumenta rapidamente com o envelhecimento, e um número crescente de pessoas estão vivendo até atingir idades mais avançadas, aumentando a incidência da doença. A gravidade da doença está diretamente relacionada à idade dos pacientes, aumentando com a mesma.

A DA, a exemplo das outras formas de doença degenerativa progressiva, pode ser dividida em fases de acordo com a sua evolução. Atualmente e com essa finalidade, grande parte dos clínicos envolvidos nessa área utiliza o critério leve, moderado e grave, devidamente estabelecidos através de escala apropriada.

Atualmente, não há nenhum tratamento para se prevenir, curar ou mesmo retardar o início dos sintomas ou a progressão da DA e de outras demências. Os cinco medicamentos aprovados para a DA reduzem temporariamente os sintomas, mas não alteram o curso subjacente da doença. Obviamente, o objetivo principal é termos tratamentos que completamente previnem ou curem a DA. Dessa forma, num cenário desses, mesmo medicações modestas poderiam ser extremamente valiosas.

Assim, baseado no impacto de duas trajetórias alternativas de tratamento para a DA foram desenvolvidos dois modelos nos quais avanços científicos hipotéticos resultariam num tratamento que alterariam o curso da doença, retardando o seu início ou retardando a sua progressão2.

Segundo estimativas norte-americanas, o número de pessoas com DA em 2010 passaria de 5,1 milhões para 13,5 milhões em 20502.

2010                                      2050

Figura 1 – Número de idosos nos Estados Unidos com doença de Alzheimer após os 65 anos de idade, e sua projeção para o futuro. Distribuição segundo as fases da doença.

Conforme se observa na figura 1, a proporção de pacientes com DA em fase inicial irá ser reduzida dos atuais 28%, para 23% no ano de 2050. Ao mesmo tempo, a proporção de pessoas com a doença também diminuirá na fase moderada. Porém, o contraste será um aumento proporcional na fase grave, elevando-se de 41% para 48% em 2050.

A figura 2 demonstra qual seria o impacto causado por uma droga hipoteticamente capaz de retardar o início da DA, significando que pessoas ficariam mais anos livres do início da doença. Esse tratamento hipotético poderia ser uma vacina, uma medicação ou várias medicações combinadas para serem administradas em diferentes épocas da vida de uma pessoa, ou mesmo alterações de dieta, exercícios ou hábitos de vida. A figura 2 descrita admite um tratamento que possa retardar o início da doença em cinco anos. Alguns arriscam afirmar que um tratamento desses possa estar disponível em 2015. Assim, o número total de pessoas acometidas pela doença em 2050 seria tremendamente reduzido para 7,7 milhões. Nota-se, porém, um aumento proporcional significativo de pessoas na fase grave. Uma explicação plausível seria que apesar de retardar o início da doença, o tratamento nada faria com as pessoas que estivessem com a doença, assim caminhando lentamente para as suas fases mais avançadas2.

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Figura 2 – Projeção para um tratamento que retarde o início da doença em cinco anos

A figura 3 demonstra qual seria o impacto causado por uma droga hipoteticamente capaz de retardar a  evolução da DA, significando que pessoas com a DA ficariam mais tempo nas fases leve e moderada da doença antes de progredirem para a fase grave. A diferença seria justamente a radical mudança na proporção de casos na fase grave, com uma redução extremamente expressiva. Os pacientes ficariam então por um período maior nas fases moderada e principalmente leve2.

figura-3

Figura 3 – Projeção para um tratamento que retarde a evolução da doença

Obviamente, torna-se evidente a redução significante nos custos direta ou indiretamente gerados com a doença a partir do modelo hipotético que procura retardar o início da doença. Esses benefícios seriam imediatamente gerados assim que o modelo for posto em prática. Já quanto a uma redução nos custos de uma droga capaz de retardar a progressão da doença, esse benefício ainda não está claro. Isso porque não seria possível estimar uma situação assim. Podemos ter mudanças quanto à dieta, e, ao mesmo tempo, custos elevados com medicações. Ou, seja, seria amplamente variável.

Através de estudos epidemiológicos, sabemos que a DA apresenta-se com uma expectativa de vida que varia de 2 a 20 anos, mas uma estimativa mais realista seria de 3 a 4 anos3,4. Além disso, estudos têm documentado alguns padrões de progressão dos sintomas que ocorrem na maioria dos indivíduos. Sendo assim, surgiram diversos métodos de “estagiar” a doença com base nesses padrões. Modelos de estagiamento fornecem estruturas úteis de referência para o entendimento de como a doença pode evoluir, sendo importante para planejamentos futuros, inclusive terapêuticos. Contudo, é necessário observar que nem todas as pessoas irão experimentar os mesmos sintomas de progressão da mesma forma e ao mesmo tempo. Associado a isso, sabe-se que a evolução da doença não progride linearmente, ocorrendo não só variabilidade entre os indivíduos, mas também o mesmo indivíduo pode apresentar variações de progressão ao longo do tempo. Inclusive fases de platô podem ocorrer ao longo de todo o processo. Logicamente que devemos estar cientes dessas possibilidades alternativas, que acabam deixando muitos profissionais surpresos, questionando algumas vezes se o diagnóstico está realmente correto.

Assim, de acordo com tudo o que foi discutido, podemos dividir a demência nas fases leve, moderada e grave. Apesar de parecer uma divisão de certa forma bastante simplória, é possível com ela claramente definir em que situação cada indivíduo de encontra, estabelecendo formas de avaliação mais adequadas e determinando condutas. O seu curso é relativamente sustentado temporalmente e arbitrariamente mensurável em meses ou anos mais que dias ou semanas. Alguns outros tipos de demência, embora de longa duração, podem ser interrompidos ou revertidos e outros são progressivos com possibilidade ou não de estabilização através de manejo medicamentoso.

De um modo geral, as demências e mais especificamente a DA, têm seu diagnóstico estabelecido através de exame clínico, com ou sem participação de instrumentos complementares. A isso se acrescenta, obrigatoriamente, investigação inicial minuciosa das funções cognitivas para o seu diagnóstico diferencial, e durante o progredir da doença para acompanhamento de sua evolução e seus sintomas. Abaixo é possível observar alguns sintomas cognitivos, funcionais e comportamentais, de acordo com a progressão da doença5:

Fase leve

– Os déficits cognitivos afetam as atividades instrumentais da vida diária, porém preservando as atividades básicas. Caracteriza-se por perda de memória para fatos recentes; dificuldades com cálculos; capacidade diminuída para realizar tarefas complexas, como planejar um jantar para convidados, pagar contas ou manejar finanças; memória de história pessoal reduzida e redução de atividades sociais e mentais. A apatia pode estar presente, bem como depressão.

Fase moderada

– Todos os domínios cognitivos encontram-se afetados, com prejuízo em todas as atividades instrumentais da vida diária, além de comprometimento de algumas atividades básicas.
– Necessita de ajuda para escolher a roupa mais apropriada para a estação do ano ou a certas ocasiões.
– Apresenta recusa e/ou dificuldades com a higiene pessoal.
– Usualmente não necessita de auxílio para alimentar-se, mas frequentemente precisa de supervisão ou auxílio para usar o banheiro.
– Incapaz de dizer durante uma entrevista médica fatos importantes, como o seu endereço, número de telefone ou escola em que foi graduado.
– Apresenta desorientação temporal e espacial, tendo dificuldade para dizer onde se encontra, qual o dia do mês ou o dia da semana.
– Tem dificuldade na realização de operações matemáticas simples.
– Normalmente retém conhecimento sobre si mesmo, sabendo o próprio nome, nome do cônjuge e dos filhos.
– A apatia é frequentemente evidente, sendo que a depressão torna-se menos frequente do que em fases iniciais.

Fase grave

– Nessa fase há uma deterioração grave de todos os domínios cognitivos, necessitando de auxílio para todas as atividades da vida diária.
– Perde experiências recentes ou fatos que ocorrem ao seu redor.
– Incapaz de contar a sua história perfeitamente. Ocasionalmente esquece o nome do cônjuge ou do cuidador, mas habitualmente distingue faces familiares de não familiares.
– Necessita de ajuda para vestir-se adequadamente. Sem supervisão pode cometer erros.
– Distúrbios do ciclo sono-vigília. Necessita de auxílio para a higiene pessoal.
– Apresenta episódios frequentes de incontinência urinária ou fecal.
– Desenvolve alterações significativas de personalidade e comportamento, incluindo delírios e alucinações, compulsões, movimentos repetitivos. Tendendo a apresentar impersistência motora e a se perder.
– Posteriormente, todos esses sintomas se acentuam. Perde a capacidade de reconhecer a fala, os distúrbios funcionais pioram, perde a capacidade de andar sem assistência, de sentar sem apoio, de sorrir ou manter a cabeça ereta.

No passado, acreditava-se que o ritmo de evolução do declínio nas funções cognitiva e funcional de pacientes com DA fosse geralmente previsível, com padrões característicos de perda a cada estágio, como representado anteriormente. No entanto, dados longitudinais sugerem que uma série de fatores pode prever um declínio mais rápido, apesar de alguns desses estudos terem resultados antagônicos.

Fatores frequentemente associados a um declínio mais rápido

O ritmo de declínio cognitivo e funcional tem uma correlação significativa, principalmente nos primeiros anos, mas os trabalhos têm demonstrado cada vez mais que os processos podem ser paralelos, mas distintos. Isso se observa ao se constatar um declínio cognitivo mais rápido demonstrado em pacientes com pior desempenho em testes de habilidade verbal, bem como comportamentos agressivos e distúrbios do sono em estágios precoces da doença. O ritmo de declínio funcional frequentemente é maior em pacientes paranoicos, com alucinações e prejuízo nas atividades da vida diária no primeiro ano, além da presença de sinais extrapiramidais. Portanto, podemos concluir através dessas observações, que não há um ritmo característico de evolução nos domínios funcional ou cognitivo. Sendo assim, os fatores associados a um declínio mais rápido deveriam ser mapeados, diagnosticados e monitorados a fim de se otimizar o cuidado ao paciente. Eventualmente, esses fatores poderiam sofrer intervenções farmacológicas ou não farmacológicas facilitando o acompanhamento desses indivíduos. E, finalmente, com a perspectiva de marcadores biológicos em crescente desenvolvimento, esses esforços poderiam ser complementares6,7,8.

 

Autor: Rodrigo Rizek Schultz

 

Referências Bibliográficas

1. Nitrini R, Caramelli P, Herrera E Jr et al. Incidence of dementia in a community-dwelling Brazilian population. Alzheimer Dis Assoc Disord 2004;18:241-6.

2. Alzheimer´s Association. Changing the trajectory of Alzheimer´s disease: a national imperative. Washington (DC). c2010 – [acesso em: 2011 Julho 09]. Disponível em: http:/www.alz.org/trajectory

3. Mayeux R. Alzheimer´s disease: epidemiology. In: Duyckaerts C, Litvan I. Dementias. Amsterdam: Elsevier; 2008:195-205.

4. Larson EB, Kubull WA, Katzman RI. Cognitive Impairment: Dementia and Alzheimer`s Disease. Ann Rev Public Health 1992; 13:431-449.

5. López OL, Dekosky ST. Clinical symptoms in Alzheimer´s disease. In: Duyckaerts C, Litvan I. Dementias. Amsterdam: Elsevier; 2008:207-216.

6. Mortimer JA, Ebbitt B, Jun SP et al. Predictors of cognitive and functional progression in patients with probable Alzheimer´s disease. Neurology 1992;42:1689-1696.

7. Stern Y, Hesdorffer D, Sano M et al. Measurement and prediction of functional capacity in Alzheimer´s disease. Neurology 1990;40:8-14.

8. Schultz, R.R. Uso racional dos métodos de neuroimagem no diagnóstico diferencial das demências. In: Forlenza, O.V. Psiquiatria Geriátrica. Do diagnóstico precoce à reabilitação. Ed. Atheneu, São Paulo, 158-163, 2007.